Reflexões sobre o ato de fala das petições nas aulas de língua estrangeira | October 2017 | Translation Journal

October 2017 Issue

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Reflexões sobre o ato de fala das petições nas aulas de língua estrangeira

1. Introdução

A análise sobre a pragmática intercultural, levada a cabo no âmbito deste estudo, insere-se num projeto sobre línguas para fins específicos, para o contexto empresarial, que está a ser realizado por um grupo de investigadores do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro (Portugal) e no qual intervêm varias línguas estrangeiras, nomeadamente o Alemão, o Árabe, o Chinês, o Espanhol, o Francês e o Inglês. O objetivo deste projeto é fazer investigação com aplicação prática na criação de uma plataforma de b-learning, e trabalhar conteúdos específicos através de atividades comunicativas, seguindo os parâmetros do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, com a finalidade de desenvolver competências a nível linguístico, sociocultural e pragmático.

Esta análise enquadra-se numa das áreas estudadas no âmbito deste projeto, nomeadamente a pragmática intercultural. Pretendemos apresentar algumas reflexões e resultados obtidos a partir de um estudo sobre um ato de fala específico: a realização de um pedido por estudantes portugueses de alemão e de espanhol como língua estrangeira.

2. Pragmática intercultural

Um dos tópicos que mais interesse suscitou para a pragmática intercultural são os atos de fala. Um emprego de um ato de fala inadequado e não conforme com os padrões da cultura meta pode dar lugar a erros de interferência. Por esta razão, é importante realizar estudos contrastivos de fenómenos pragmáticos, sobretudo, desde o ponto de vista intercultural, cuja pertinência para o ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira nos parece imprescindível visto que falhas nesse nível podem prejudicar o contato social entre emissor e recetor.

Os valores culturais influem na realização e interpretação dos atos de fala.

Por exemplo, a expressão "Tudo bem?" em português ou "Que tál?" em espanhol tem apenas a função de um cumprimento, enquanto que um nativo alemão considera esta expressão como início de uma conversa, e não percebe porque o locutor português/espanhol nesta situação não espera uma resposta.

Também atos como sugerir/propor e rejeitar são mais diretos em alemão do que em português. A maneira indireta da rejeição por parte dos portugueses, muitas vezes não é percebida por um alemão e é interpretada como uma confirmação.

Para que os alunos tenham consciência desses entraves comunicativos e consigam ultrapassa-los, é preciso trabalhar estes fenómenos na sala da aula para garantir um bom desenvolvimento da competência comunicativa intercultural (Byram 1997), o que significa que o falanta é capaz de produzir mensagens apropriadas e eficazes na língua estrangeira. O objetivo é, portanto, consciencializar o aluno para certos usos e comportamentos da cultura e da língua meta.

3. Cortesia e face

Um conceito que é importante neste contexto, além do conceito de cortesia, é o da face, que está baseado na teoria sobre a cortesia de Brown e Levinson (1987). A face de um indivíduo é constituída por uma série de necessidades essenciais que devem ser cumpridas para que a comunicação possa acontecer de forma adequada. A face consiste de duas componentes intimamente relacionadas: uma face positiva e uma face negativa. A primeira inclui o desejo de aprovação e apreciação da auto-imagem a nível social. Por outro lado, a face negativa está ligada ao desejo de possuir liberdade de ação e não ser submetido a imposições alheias. O objetivo principal da cortesia é, portanto, atenuar ou compensar os chamados "face threatening acts", ou seja, os atos de fala que possam ameaçar a face e a aprovação social, através de uma série de estratégias.

4. Solidariedade versus liberdade: hipótese de partida

Como hipótese de partida consideramos que na sociedade espanhola predominam as formas de cortesia positiva, devido ao facto de se tratar de uma sociedade onde se destacam as relações solidárias. Segundo Haverkate (1998) parece que nessas sociedades existe o direito do pedido e é possível cortar a liberdade do interlocutor, sem que isso seja considerado uma intromissão na autonomia do ouvinte. Não existe, por conseguinte, a necessidade de preâmbulos no momento de invadir o território do interlocutor.

Na cultura alemã, são predominantes as formas de cortesia negativa que salvaguardam a imagem social negativa do interlocutor e não limitam o seu desejo de que os seus atos não sejam limitados ou impedidos por outras pessoas (Siebold 2008). Por isso um pedido direto seria mau uma vez que põe em perigo a imagem social do interlocutor. Espera-se, portanto, que o pedido seja mitigado com estratégias indiretas no ato nuclear. Também na cultura portuguesa predomina a cortesia negativa, sendo que o emprego de estratégias de atuenuação para não ofender o interlocutor é muito comum.

5. Atos de fala: petições

Segundo Searle (1969), as petições são atos ilocutivos diretivos, com os quais o locutor pretende que um interlocutor/ouvinte realize uma determinada ação. Uma vez que as petições pretendem influenciar o comportamento do interlocutor/ouvinte, representam uma ameaça à face negativa do ouvinte, que poderá não gostar essa invasão no seu espaço privado e do seu direito à auto-determinação e à liberdade. As petições não são, portanto, atos intrínsicamente corteses (Brown/Levinson 1987), Blum-Kulka et al. 1989).

O ato de fala para realizar um pedido é constituído pelo ato nuclear (head act segundo Blum-Kulka et al. 1989) e os elementos externos que podem atenuar ou intensificar a força do pedido. Os elementos externos, por sua vez, dividem-se em alertadores (alerters) e em movimentos de apoio (supportive moves). Os alertadores servem para capturar a atenção e orientar o interlocutor para aquilo que vai pedir a seguir (Blum-Kulka et al. 1989). Podem ser alertadores: o nome próprio, títulos, apelativos, cumprimentos ou outras maneiras para chamar a atenção. Também pode haver uma combinação de vários alertadores.

O ato nuclear é o elemento ou unidade mínima que realiza e transmite o pedido (Padilla Foster 2016: 213) e que pode ter modificadores internos que atenuem ou intensifiquem a sua força. O ato nuclear pode variar segundo a estratégia utilizada, a perspetiva do pedido e segundo os modificadores sintáticos e lexicais usados.

Por último, estão os movimentos de apoio que são modificadores externos que podem ir antes ou depois do ato nuclear. Servem para preparar o ouvinte para o pedido, de maneira que procuram obter o compromiso por parte do interlocutor para a realização da ação.

6. Metodologia e grupo-alvo

No nosso estudo participaram um total de 44 alunos (20 de alemão e 24 de espanhol), alunos da licenciatura em Línguas e Relações Empresariais do 3º ano da Universidade de Aveiro.

No âmbito da nossa análise, realizamos um teste para completar o discurso (Discourse Completion Test). O recurso e escolha desse teste representa uma metodologia muito comum na pragmática intercultural. No entanto, neste estudo iremos apenas referir algumas das situações com que os nossos alunos foram confrontados.

O Discourse Completion Test (DCT) está baseado num estudo de Blum-Kulka et al. (1989) e serve para observar o modo como os alunos realizam determinados atos de fala. Nos estudos feitos nessa área já se analisaram extensamente as vantagens de uso deste tipo de inquérito. Uma das vantagens consiste no fato de por ser um inquérito escrito, em pouco tempo é possível obter uma grande quantidade de dados para análise. Além disso, o DCT é capaz de identificar e analisar situações nucleares imprescindíveis para a realização de um ato de fala. Permite a análise de fatores internos e externos do contexto comunicativo. Outro aspeto positivo é a possibilidade de comparação intercultural dos atos de fala em estudo. É possível abordar situações concretas que podem ser críticas em diferentes línguas e culturas.

No entanto, este método foi alvo de críticas (como p. ex. Cohen e Olshtain, 1994), no sentido de não ser adequado para análise do uso real da língua porque reduz os atos de fala à comunicação escrita ou oral e não produz um discurso interativo entre emissor e recetor, o que impossibilita a análise da organização do discurso, entre outras razões.

Para o nosso estudo optamos pela utilizaçao deste inquérito porque achamos que é muito útil para a comparação e o contraste de um ato de fala em concreto e pela liberdade que se dá ao aluno para responder a essas situações sem qualquer restrição. Embora sabendo que a realização de um inquérito por escrito possa contribuir para uma perda da espontaneidade do discurso, consideramos importante a obtenção desses dados para a observação e análise das situações críticas entre as línguas em analise.

7. Análise do córpus

No âmbito do nosso estudo, analisámos situações em contextos informais, não laborais, por um lado, e formais, por outro. Para isto elaborámos dois inquéritos, um para que os alunos participantes respondessem a uma serie de situações em português e outro na língua estrangeira que os alunos estão a estudar, o espanhol ou o alemão.

Resultados do 1.º Inquérito

No primeiro caso, relativamente a situações informais, fora do contexto profissional, foi-lhes pedido para pedir direções. Alguns resultados disso são:

Peço desculpa, saberia dizer-me onde fica...? 
Boa tarde, pode dizer-me onde fica .., por favor.?
Desculpe, poderia indicar-me como se vai para...?
Por favor, podia indicar-me o caminho para o centro?
Bom dia, pode-me dar uma informação?, Como faço para chegar ao centro da cidade?
Olá, será que me poderia dizer como chegar a...?
Boa tarde, desculpe, será que me sabe dizer como se vai para o centro da cidade, por favor?
Com licença, poderia dizer-me onde fica o centro da cidade, se fizer favor?
Olhe, desculpe, poderia dar-me uma indicação?
Desculpe, pode ajudar-me? Estou perdida e preciso chegar ao centro da cidade.

Nestas produções observamos como todos eles utilizam algum tipo de alertador como cumprimentos (olá, bom dia, boa tarde) ou de outro tipo para chamar a atenção (peço desculpa, desculpe, com licença) ou a combinação de vários alertadores como (olhe, desculpe; boa tarde, desculpe). O ato nuclear, em todos os casos, é feito desde a perspetiva do ouvinte mostrando, deste modo, atenção respeitosa ao interlocutor com perguntas sobre a possibilidade de realizar o ato (sabe-me dizer, pode dizer-me, indicar-me). Além disto, a estratégia utilizada para fazer o pedido é através de estruturas convencionalmente indiretas com perguntas sobre as condições preparatórias para a realização do ato pedido por parte do ouvinte. Quanto aos modificadores da estrutura interna, no ato nuclear são usados mitigadores sintáticos como o condicional (poderia, saberia) ou o passado (podia), ainda que parece haver uma preferência pelo uso do presente de indicativo, e modificadores lexicos como o marcador de cortesia: por favor, se fizer favor.

Encontramos também modificadores de apoio ou modificadores externos que fazem referência ao contexto da interação, atenuando a força do pedido. Nas produções dos alunos aparecem atenuadores da força do pedido como preparadores: pode-me dar uma informação?, Como faço para chegar ao centro da cidade?; perguntar pelo compromisso do ouvinte: pode ajudar-me?; Justificadores: Estou perdida e preciso chegar ao centro da cidade. Segundo Blum-Kulka et al. (1989), trata-se de uma estratégia muito efetiva de atenuação e transmite uma atitude de empatia para o ouvinte ao explicar os motivos do pedido.

O uso de todos estes elementos (alertadores, mitigadores, etc.) faz com que o pedido tenha um alto grau de cortesia negativa visto que se oferece muita atenção à imagem social negativa dos interlocutores, e através da combinação desses elementos, aspira-se à redução de uma possível ameaça sobre essa imagem social.

Resultados do 2.º Inquérito

Para além de pedir os alunos de responder a situações em português, preencheram o mesmo inquérito para o espanhol e o alemão, respetivamente, em que tiveram a liberdade de responder a determinadas situações sem qualquer restrição, devido a estrutura aberta do inquérito. A primeira situação informal corresponde à mesma situação em português, ou seja, pedir uma direção na rua.

Em español, os pedidos feitos foram:

-Por favor, ¿me puede/podría decir dónde es el centro?/ Perdón, por favor, ¿me podría decir por dónde se va al centro?/ perdón, ¿me puede/podría decir cómo voy/puedo llegar al centro de la ciudad?

Nas produções feitas pelos alunos em espanhol, pode-se observar um número reduzido de estratégias na língua-alvo. Os alunos optaram por produções semelhantes ao português, com recurso aos mesmos alertadores (cumprimentos: buenos días, hola no caso do pedido na cafeteria), a captadores de atençao (perdón), a mitigadores sintáticos (uso da forma condicional de poder) e ao marcador de cortesia por favor. O pedido é realizado de maneira convencionalmente indireta, atenuando, deste modo, a força ilocutória do pedido de informações. A maior parte dos alunos utilizou o marcador de cortesia por favor, um mitigador ou atenuador léxico que ajuda à boa disposição do ouvinte para a realização do pedido e para a cooperação.

Para o alemão observámos que os alunos realizam pedidos indiretos recorrendo a estratégias de cortesía negativa:

- Guten Tag! Entschuldigung, ich möchte wissen, wo die Universität ist, bitte?
- Entschuldigung, können Sie mir sagen, wo die Universität ist?

Podemos observar que os alunos participantes de alemão ainda se encontram numa fase inicial do processo da aquisição da pragmática, uma vez que tendem a fazer traduções literais dos atos de fala da sua própria língua materna e fazem, portanto, uma transferência idêntica a nível da linguagem utilizada. Nota-se o emprego correto de alertadores, de estratégias preparatórias e apenas de um pequeno número de modificadores sintácticos e lexicais. O nível de língua em alemão, ainda não permite o emprego de um leque mais diversificado de modificadores lexicais, como p.ex. o uso da partícula modal mal que aparece frequentemente nos pedidos, dado que serve para atenuar a sua força. Também destaca-se a falta de expressões pessimístas como vielleicht, muito comuns na realização do pedido, pois abre ao ouvinte a possibilidade de não cooperar com o falante.

8. Conclusões

Os resultados obtidos e analisados são importantes visto que oferecem dados que podem ser utilizados para a criação de materiais didáticos e atividades para tratar de maneira explícita aspetos pragmáticos, neste caso concreto relacionados com os pedidos, na língua estrangeira que os alunos estão a estudar. Consideramos que o tratamento contínuo da dimensão pragmática da língua irá influir no desenvolvimento da competência pragmática e da competência comunicativa intercultural dos alunos participantes preparando-os, deste modo, para interagir eficazmente em diferentes contextos comunicativos.

A realização de pedidos por parte dos alunos parece recorrer a padrões que estão limitados no que diz respeito ao uso de modificadores internos e externos. Em particular, os modificadores lexicais aparecem raramente e nota-se pouca variedade.

Em geral, conseguimos observar a tendência de fazer transferências da língua materna diretas.
A nível socio-linguístico, os alunos portugueses que estudam o alemão conseguem realizar os pedidos de forma mais adequada, o que, no entanto, deve-se menos aos conhecimentos sobre a autoridade e a distância para com o interlocutor, mas mais a uma preferência geral para os atos de fala indiretos.

No âmbito do nosso projeto pretendemos mais à frente estudar o ato de fala de fazer um pedido através de uma análise quantitativa contrastando estratégias aplicadas por pessoas nativas e alunos de L2.

Em contextos informais em espanhol, os alunos realizam os pedidos de maneira indireta na sua maioria, atenuando-os através de uma série de recursos, como marcadores de cortesia, alertadores, modificadores, etc. Nota-se também a utilização de por favor ou gracias em quase todos os pedidos, no entanto nas interações entre falantes espanhois, esses marcadores não são assim tão utilizados. Os pedidos realizados pelos alunos não apresentam muita variedade no uso de estruturas e são bastante limitados para o nível de língua que possuem.

Bibliografia:

- BLUM-KULKA, S., HOUSE, J. & KASPER, G. (1989). "The CCSARP coding manual", in BLUM-KULKA, S.; HOUSE, J. y KASPER, G. (Eds.), Cross-Cultural Pragmatics: Requests and Apologies Norwood, NJ: Ablex, 273-294.

-BROWN, P. & LEVINSON, S. (1987). Politeness. Some universals in language usage. Cambridge, Cambridge University Press. Orig. 1978.

- COHEN, A. D. & OLSHTAIN, E. (1994). Researching the production of speech acts. In Tarone, E., Gass, S. M., & Cohen, A. D. (Eds.), Research methodology in second language acquisition, Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 143-156.

- HAVERKATE, H. (1998). "Estrategias de cortesía. Análisis intercultural", in CELIS, A. & HEREDIA, J. R. (Coords), Lengua y cultura en la enseñanza del español a extranjeros. Actas del VII Congreso de Asele. Cuenca, Universdad de Castilla- La Mancha, 45-57.

- KASPER, G. & BLUM-KULKA S. (1993). "Interlanguage Pragmatics: An Introduction", in KASPER, G. & BLUM-KULKA S. (Eds.), Interlanguage Pragmatics. New York, Oxford University Press, 3-17.

- SEARLE, J. R. (1969) Speech Acts. An Essay in the Philosophy of Language. London-New York, Cambridge University Press.

- SIEBOLD, Kathrin (2008): Actos de habla y cortesía verbal en español y en alemán. Estudio pragmalingüístico e intercultural. Frankfurt: Peter Lang.

 

Katrin Herget studied translation at Leipzig University. From 2000 to 2006 she worked as a Research Assistant at Fachhochschule Anhalt, where she taught translation, linguistics, and Portuguese cultural studies. She completed her Ph.D. in Translation.

Since 2006 she has been working as a lecturer at Universidade de Aveiro in Portugal, where she teaches technical translation and German studies.

Katrin can be reached at kherget@ua.pt

Noemí Pérez holds a degree in Hispanic Philology from the University of Santiago de Compostela (Spain) in 1998, and in 2013 completed a PhD in Language Didactics at the University of OPorto.

She has teaching experience in teaching Spanish as a foreign language in Portugal since 2001 and currently teaches at the Department of Languages ​​and Cultures of the University of Aveiro.

Her main ​research area is Spanish as a foreign language didactics and languages for specific purposes.
Noemí can be reached at: npp@ua.pt

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